terça-feira, julho 13, 2004

caso pluvioso a chuva me irritava. até que um dia descobri que maria é que chovia. a chuva era maria. e cada pingo de maria ensopava o meu domingo. e meus ossos molhando, me deixava como terra que a chuva lavra e lava. eu era todo barro, sem verdura... maria, chuvosíssima criatura! ela chovia em mim, em cada gesto, pensamento, desejo, sono, e o resto. era chuva fininha e chuva grossa, matinal e noturna, ativa...Nossa! não me chovas, maria, mais que o justo chuvisco de um momento, apenas susto. não me inundes de teu líquido plasma, não sejas tão aquático fantasma! eu lhe dizia em vão - pois que maria quanto mais eu rogava, mais chovia. e chuveirando atroz em meu caminho, o deixava banhado em triste vinho, que não aquece, pois água de chuva mosto é de cinza, não de boa uva. chuvadeira maria, chuvadonha, chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha! eu lhe gritava: Pára! e ela chovendo, poças dágua gelada ia tecendo choveu tanto maria em minha casa que a correnteza forte criou asa e um rio se formou, ou mar, não sei, sei apenas que nele me afundei. e quanto mais as ondas me levavam, as fontes de maria mais chuvavam, de sorte que com pouco, e sem recurso, as coisas se lançaram no seu curso, e eis o mundo molhado e sovertido sob aquele sinistro e atro chuvido. os seres mais estranhos se juntando na mesma aquosa pasta iam clamando contra essa chuva estúpida e mortal catarata (jamais houve outra igual). anti-petendam cânticos se ouviram. que nada! As cordas d’água mais deliram, e maria, torneira desatada, mais se dilata em sua chuvarada. os navios soçobram. Continentes já submergem com todos os viventes, e maria chovendo. Eis que a essa altura, delida e fluida a humana enfibratura, e a terra não sofrendo tal chuvência, comoveu-se a divina providência, e deus, piedoso e enérgico, bradou: não chove mais, maria! - e ela parou. (carlos drummond de andrade) Até segunda ordem o blog está em seu fim, porque cansei de palavras e porque cansei de mim.

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